O escritor que não escrevia
Mas é escritor: sou escritor
Escreve muito: nunca escrevi
Então não é escritor: sou escritor
Como assim: porque nunca escrevo
Se não escreve não pode ser escritor
Quem disse isso:
deixaram de escrever
Sofre dos nervos
Sofre da calma
Sofre do mundo
Sofre do medo
Nervos com Calma
Calma com Nervos
Acalma-te por favor!
escreveu
Mas é poeta?
Sou português. Mas não quero com isto dizer que não tente representar-me como autor de desconfianças. Um inquilino de mim mesmo. Um poeta com as contas em dia. Um empregado das horas, portanto.
Mas é português ou é poeta?
Ser poeta está obviamente naquilo que eu considero ser digno de me representar como português. Não entanto é muito mais complicado e sensível do que pensa. Ser português foi condição que naturalmente me obriguei por natureza. E estudei muito para isso! E digamos que ser poeta foi algo que inventaram um dia para eu poder passar na porta de um bar onde só era permitia a entrada a estrangeiros, estrangeiros, diga-se, com um bom comprimento de onda. Com um bom nível de altura.
Imagino então que esteja desempregado?
Desemsolto.
Como assim?
Sou um homem solto. Que vive à solta, em liberdade. Ou seja um desempregado do mundo não propriamente de mim.
Vive muito então?
Absolutamente, isto é coisas de poetas meu caro amigo não propriamente de portugueses. De quem fuma muito, claro está.
O homem do 5º esquerdo disse-me um dia:
– o elevador não funciona porque não há dinheiro para alimentar o vazio,
vão deixar de vir aos meus aniversários por falta de tempo…
– suba menos depressa – pedi-lhe – e deixe a distância subir no corpo…
os construtores de prédios querem o céu só para eles
mas desconhecem que nós só queremos a frágil coerência de um chão.
– viveu neste mundo, não vive?- perguntei inexorável
– vivo no 5º esquerdo
– vejo a solidão à sua janela quando você não está
No 5º andar ele olhou-me:
– já me tinham falado mal de si
mas nunca pensei que fosse tão alto.
quer vir até ao topo do mundo?
(hesitei)
– é o melhor sitio para ver o nosso cuspe a atravessar atmosfera…
não se preocupe que todos nos vão ver.
Neguei educadamente o seu convite.