Mecanismo de Emergência é uma preciosidade num corpo poético que nos deslumbra em afinidades campesinas, revolucionárias, pensadoras, fecundadas pela palavra sempre prenhe de aventura. Não só na forma dialética como o autor vai desempoeirando a sensação do vazio, da rotura, da falta, da impossibilidade:

“Inseri a mão no meu bolso direito das calças
e retirei um pedaço de mim gravado num lenço de papel
onde a palavra Fim
se aureolava não sei porque intangibilidade
O serralheiro desabafou-me:                                                                                                         Olhe que isto está muito mau amigo”

Como, na alegoria envolta em névoa, nos enche de esperança, de roturas do passado num frenesim irredutível de uma nova Pangeia mesmo dentro de um país onde prolifera uma outra Emergência:

“Mas parece ter gente lá dentro?
São os da limpeza
falam chinês
dizem que vai ser um salão de jogos
Mas isto é o que se diz”

Livro cheio de eufemismos onde cada um se vê refletido nos seus anseios, nas suas solidões…Livro que dá a conhecer a vida inglória do mundo da palavra

“Perguntaram ao escritor como se chamava o seu novo livro
O escritor na sua vaga disponibilidade, respondeu: 15 Euros
Aclararam que não era o preço que queriam saber…
E o escritor insistiu não se tratar do preço
Mas sim do nome do seu novo livro: 15 Euros
Perante a breve hesitação perguntaram de novo:
E o preço?
Uma vida inteira”

Ressoa em nós o intangível da poesia após a leitura destes poemas. A transbordar as margens do imaginário, direi que este desfiar de palavras é imperdível, deslumbrante, realista, atual… mas sobretudo, infinitamente belo!

Olinda Beja

Olinda Beja é poetisa, escritora e narradora. Em 2013 ganhou o Prémio Literário Francisco José Tenreiro. Em 2015 o seu livro Um Grão de Café entrou para o Plano Nacional de Leitura de Portugal.