Doutor, antes de medir a minha exaltada pulsão pela vida, deixe-me primeiro mostrar-lhe quanto tempo demorei hoje a chegar aqui. Eu sei que é um assunto com escasso teor científico, e por isso não vou contar-lhe os minutos que perdi a procurar um lugar para estacionar, nem a procurar um corpo que me desse trabalho….
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A absoluta ignorância pelas coisas
E ra uma manhã de segunda-feira. Ele estava sentado no seu quarto do acanhado terceiro andar partilhado por mais cinco pessoas, três delas eram uma família. Estava a olhar pela janela e a pensar no murmúrio da avenida. Quantos mais haveria como ele? No Centro de Emprego, o seu estado de vida era claro: desempregado….
O tempo das “Não-Coisas”. E o uso excessivo das redes sociais segundo Byung-Chul Han
Agarramos o smartphone, verificamos as notificações do Instagram, do Facebook, a última polémica no Twitter. Logo respondemos às mensagens do WhatsApp, e, como se de um hipnotismo se tratasse, deslizamos de novo o dedo num gesto quase litúrgico sob qualquer outro aplicativo. Entretanto, tentamos iniciar uma tarefa mais “digna”, mas, sem darmos por isso, estamos de…
Iniciação ao Grito
Procura um sítio elevado, onde te possam ouvir bem, depois perscruta-o desesperadamente dentro de ti. Logo a seguir, uma pessoa a quem o possas dedicar. Sim, agora abre bem essa boca. Espera: o MEDO. Embora te possa parecer fácil encontrá-lo, só depois desse exercício inicial o grito poderá subir em ti, hiante e pletórico. Abre…
Sara F. Costa sobre “Žižek vai ao ginásio”
O livro de poesia do Tiago começa com aquela cena do Fight Club em que o Brad Pitt incendeia o apartamento do Edward Norton e eu diria que esse é um excelente começo. O medo de perder a “vida-dinheiro”, isto é “Tudo aquilo que juntara enquanto se movia”. Para o autor, o cogito de Descarte…
O poema apresentou-se a um concurso de poesia
O poema apresentou-se a um concurso de poesiae leu-se a ele mesmo diante dos júris. Os júris surpreendidos com o inefávelquiseram saber quem era o autor daquelas palavras– podiam vencer o concurso!Mas não havia autor, muito menos poetaera ele mesmo, o poema que se lia a si mesmo: livre insurgente …
Profissão: ouvinte*
No futuro talvez exista uma nova profissão: ouvinte. Mediante pagamento, o ouvinte escutará um outro, atendendo ao que este diga. Recorreremos ao ouvinte porque, excepto ele, não haverá ninguém que nos escute, já que perdemos cada vez mais a nossa capacidade de escutar. É, sobretudo, a insistente focalização no ego, o que torna difícil…
Entrevista | Jaime Rocha: “O olhar do poeta é o primeiro e o último possível”
Jaime Rocha é um homem discreto. Quando nos aproximamos dele sentimos uma serenidade cálida, ao mesmo tempo inquieta, própria de quem trabalha os difíceis materiais da palavra. A sua voz é das mais vigorosas da literatura portuguesa contemporânea. Singular na plasticidade e no rigor lírico, para ele não há poema que não se abra como…
A sociedade do escândalo | Notas sobre a obra de Byung-Chul Han
A filosofia de Byung-Chul Han (Seoul, 1959), dialoga com o pensamento de Nietzsche, Benjamin, Heidegger, Foucault, Agamben e outros pensadores para sondar as enfermidades produzidas pelos dispositivos de poder das sociedades neoliberais do mundo contemporâneo e na qual se insere a sociedade do rendimento e da auto-exploração; ao contrário da “sociedade disciplinar” de Foucault, na qual as pessoas sabem que a sua liberdade é limitada, no contexto de uma sociedade de controle realmente – e muito falsamente – elas acreditam que são livres. É uma mudança de paradigma que faz com que se discipline o corpo para, de uma forma sedutora, poder controlar a mente. Uma das consequências mais visíveis prende-se com o facto da tendência das pessoas à auto-exploração agressiva até ao esgotamento mental, o colapso físico, e consequente o surgimento de patologias tais como o síndrome de “burnout”. Tradicionalmente, “exploração” implica que alguém seja explorado por outra pessoa, Han afirma que realmente fazemos isso para o nosso Eu. “A crise que estamos actualmente a experimentar vem da nossa cegueira e estupefacção”. Para Han o que faz adoecer não é a retirada nem a proibição, mas sim o excesso de comunicação e de consumo; a “crise”, segundo o filósofo, cinge-se a dois aspectos essenciais: por um lado a crise democrática causada pela superficialidade da comunicação digital, redes sociais e a constante hipercomunicação, e por outro, as consequências que a primeira traz subjacente e que prejudica o pensamento crítico, o respeito e a confiança perante o “outro”.
O crítico de sonhos
O que faço na vida? Durmo. E olhe: durmo muito, e não imagina o quanto. Não me olhe assim. Durmo muito e sonho: à noite, de dia, fins de semanas largos, intervalos monótonos de um domingo sentado… Sim, durmo tanto que, olhe – moveu o braço num gesto largo – tornei-me num especialista, um especialista…