Eu sabia que para apresentar-me a um prémio literário teria que pensar uma história. E teria que obviamente escrever essa história. Espaço 1,5 fonte Arial, tamanho 11 (onze), podendo ser impresso na frente e verso do papel e obedecer a um limite máximo de 30 páginas. 30 páginas? Teria também de imprimir 4 vezes a história. E encontrar um envelope onde coubesse a história. E caso não cumprisse com estes requisitos o autor seria excluído do prémio literário. Sabia também que antes de chegar ao posto dos Correios para enviar a história, teria de ultrapassar aqueles três cinzentos quarteirões e as duas passadeiras perigosas que por mais de uma vez cruzara sem que a morte me visse. Pensar que, nesse curto espaço de tempo, pudesse talvez escrever uma outra história, ou até mesmo voltar à minha vida e deixar de escrever histórias. No entanto, quando voltasse a mim já estaria pacientemente à espera naquela longa fila dos Correios com a senha nº 68 na mão. Diante de mim talvez um velho homem sisudo há pelo menos 30 anos na mesma posição e a pensar que eu provavelmente enviaria um postal de Natal para um destino longínquo e com um nome difícil de pronunciar.
Quer um envio registado do postal?
Uma história. A minha vida. E hesitar nesse mesmo instante: devo enviar a história? E começar a revê-la frase por frase, capítulo por capítulo, tragédia trás tragédia. Talvez este homem, há 30 anos na mesma posição, pudesse ser uma personagem da minha história, um bom criminoso?… Mas quando voltasse de novo a mim já teria pago 11.50€ do envio registado da minha história. Era afinal uma boa história. Voltar a passar então os três cinzentos quarteirões, evitar de novo que a morte me visse sobre as duas passadeiras perigosas. Regressar a casa para fazer à pressa o almoço para as minhas filhas. Entrar ao trabalho que provavelmente detestaria. Pensar que esta vida de escritor talvez não valesse a pena. Pensar que escrever histórias para prémios literários só podia acabar mal. E à noite regressar a uma possível casa, a essas possíveis filhas que talvez me olhassem como se eu fosse uma personagem de uma história. Essa mesma história. 11.50€. E eu olhar-me no espelho como se fosse também uma personagem de uma história. Um bom criminoso? Nesse momento, sim, como ironia do destino, receber uma chamada a informar que a minha história não fora selecionada. Eu com um sorriso seco a dizer que o importante fora participar. E do outro lado a dizerem-me que a minha história até nem era má de todo e que para o ano deveria participar novamente. Sim, e eu que já descalçara os sapatos. Esses sapatos demasiado gastos por esse cansaço da vida. Eu que me despira e acto continuo me deitara numa cama que fora comprada para duas pessoas. Pegasse num velho livro de histórias e o lê-se a essas minhas filhas, duas meninas, porque sempre quis ter um casal de meninas, para adormecer o mais rápido possível e esquecer-me finalmente da vida. As milhas filhas ainda de olhos bem abertos a olharem-me como se eu tivesse ganho um prémio, como se eu fosse um vulgar e singular Pai, a dormir, sozinho, naquela cama que era para duas pessoas. E eu sabendo lá no fundo que para apresentar-me a um prémio literário tinha que pensar uma história. Tinha que imprimir 4 vezes a história espaço 1,5, fonte Arial, tamanho 11 podendo ser impresso na frente e verso do papel e obedecer a um limite máximo de 30 páginas. 30 páginas? E caso não cumprisse com os requisitos o autor seria excluído do prémio literário.
Conto breve que veio à luz na 8ª edição da Revista Sem Equívocos.