O que nos espera nos lugares? Um braço lá no alto sinalizando a altura do mundo. Um amigo que nos aguarda há pelo menos 1000 anos. Caminhar sob a superfície evitada das dúvidas e uma cartografia abrir-se sobre nós: Ti falame portugues. Nós que julgamos conhecer o mundo. Que julgávamos conhecer as nossas pernas. O mundo puxa muito de uma perna. Há certas chegadas que fazem revisitar-nos uma e outra vez. Que não se explicam: sentem-se. Cheguei à Galiza num tempo sem idade. Centenas de dias infindáveis.
O exercício de medir palavras
Um português conhecido afirmava ter ido à minha terra: Valência é muito bonita. Distância é coisa que por vezes engana. Olhamos na lonjura e só vemos palavras: 50.000 palavras. Distância mede-se muito por palavras. Entre a minha terra e Valência há mais de 1000 km. O mesmo separa Bruxelas de Bucareste; pelo meio há 2 Outonos, 5 línguas e talvez uma mulher a informar que: só aos sábados. A minha terra é a Galiza. Se soubéssemos quantas palavras nos levam de um lado ao outro do mapa, talvez a distância não iludisse tanto. Talvez chegássemos mais rápido. Talvez este conhecido soubesse que Valência não é a Galiza.
Um vizinho sem horas
Iamos muito ao estrangeiro. Quanto medirá o estrangeiro? Entre o Baixo Minho onde nasci e o bairro de As Xubias onde vivo tenho um vizinho que sente a minha falta. O estrangeiro não tem distância. Chove por aló? O que me une ao meu vizinho tem altura e cheiro. Metáforas que se saúdam na rua. Palavras que cheiram a matriz. A Galiza é um dos traços da minha matriz. 7 voltas dá a chave da porta do vizinho.
A livraria
Dos sítios guardo os lugares para me sentar. Depois as livrarias. Na Couceiro, Manolo, perguntou-me de onde era: dali – respondi. A minha história não lhe era estranha. Há uma diferença entre ser dali e de Portugal. Manolo não sabia que procurava um sítio para me sentar. Ofereceu-me 3 livros: Vide e Viños de Galicia, Los Mejillones (livro de receitas) e o Navio da Matéria, do poeta algarvio António Ramos Rosa, editado na Galiza pela Espiral Maior e em português. Manolo jubilou-se. Nunca pensei que me sentasse tanto na Galiza.
O café
No café Delícias tenho uma mesa favorita que quase nunca me sento. Está ocupada pela ânsia. No Delícias há vistas para o mundo e velhos que avaliam finais de tarde sem medo. Há uma celebração redentora nos cafés galegos: a vida faz-se. Na parede do fundo há um recorte de jornal com o Manuel Rivas e Isaac Díaz Pardo. Os velhos metem-me em discussões sobre um jogo de cartas, Ti que te parece? No Delicias puxa-se do hábito como se puxa do tempo. Até hoje penso que Manuel Rivas aparecerá por ali. Dediquei um poema ao Delícias e não sei jogar cartas. Mas deduzo que o empregado de mesa desconheça.
A saudade
Recém chegado da Flórida minha Mãe perguntou: vais de novo? A Galiza é uma Mãe. Por vezes tenho saudades da Flórida. Lake Kissimi é muito parecido com o embalse do Cecebre. Quando vivia no bairro de Monelos diziam-me que depois da Ponte Pasaxe era a Rússia. Saudade é coisa que começa no braço direito direito e avança lentamente para o firmamento. Há sítios que são já ali. Na Galiza sente-se saudade. Os barcos que partem à noite do porto de Oza têm saudade. Os pescadores sabem disso. Sofrem de terra. São poetas.
O Pobo elixido
Um velho marinheiro com demasiada noite às costas perguntou-me um dia:
– Enton ti es portugues?
– Son galego.
– Ti es de onde te dan de comer.
Uma Mãe nunca nos deixaria sair de casa sem comer. Há velhos com demasiada noite. Demasiadamente novos.
Artigo publicado originalmente na revista Luzes.