Às cinco horas e trinta e oito minutos de uma sexta-feira de setembro, um homem entra numa mercearia de bens essenciais para fazer uma compra rotineira. Ao aproximar-se do balcão, o merceeiro, dono do estabelecimento, informa-o num tom aparentemente sáfio: Só vendemos revoluções. O homem, sem hesitar, responde que precisa com urgência de meia dúzia de Pontos de Vista Vendem? Mas o merceeiro, depois de um ligeirouveo silêncio, afirma que não. Todavia, voltando a si, agora mais disponível, confirma já ter tido no passado esse tipo de produtos, mas que, por constantes mudanças dos paradigmas económicos, decidiu apostar pelo negócio das revoluções. E, demonstrando ter abundante material para vender nesse segmento, começa, com entusiasmo, a remexer numa gaveta do balcão que se encontra justo à medida da sua pesada cintura. Nesse ágil movimento, o dono da loja aproveita para mostrar os seus produtos: Revoluções sem Pessoas – Revoluções logo pela Manhã – Revoluções que Deixam Tudo como Estava – Revoluções de Interiores ou Artudianas – Revoluções com vários Pontos Políticos ou Geográficos: Esquerda, Direita, Centro ou com Extremadas Maneiras de Pegar na Ponta de um Lugar – Revoluções aos Fins de Semana – A Grande Revolução, neste caso com 1 minuto de publicidade e o primeiro mês gratuito, se porventura não estiver satisfeito com esta revolução – olhava agora o merceeiro os olhos do seu cliente – poderá devolvê-la num prazo de quinze dias… Depois desta explicação, instaurou-se de novo na loja um longo e ignoto silêncio, ouvindo-se, ao fundo, o tic-tac de um velho relógio de parede. Contudo, o vendedor de revoluções voltou de novo a si e com um preâmbulo de poucas palavras e gestos endereçados sem qualquer sentido, passou a mostrar a qualidade do seu produto ao cliente, exibindo, na palma da sua mão direita, algumas das revoluções; as revoluções ainda estavam envolvidas em papel de cartão, muito direitinhas e bastante conservadas, com o preço bem assinalado em cada uma delas. O homem deteve-se a contemplá-las, uma a uma, chegando inclusive a pegar numa das revoluções com ligeireza, não evitando, porém, um descuido nervoso das suas mãos, salvando, no último segundo, que uma das revoluções cai-se ao chão. Ao voltar a si, anuiu que sim, que eram produtos de elevado interesse, embora, agora devolvendo o olhar ao merceeiro, o preço das mesmas parecesse-lhe algo elevado, tendo em conta os tempos de crise como aqueles que viviam. Agradeceu-lhe com delicadeza, desejou-lhe um bom dia e saiu da loja apressadamente a pensar no seu Ponto de Vista. O merceeiro vendedor de revoluções voltou a guardar com cuidado os seus produtos na gaveta, olhou a crueldade das horas, e decidiu fechar a loja como se uma qualquer revolução ainda fosse possível.
Publicado orginalmente no número 18 da Revista Sem Equívocos.