Duas mãos para amparar a queda

Enquanto tento obedecer ao persistente som de uma tecnologia que analisa o meu ciclo do sono, duas tempestades formam-se no pacifico deixando mais de 10.000 pessoas desalojadas. Uma mulher, depois de ser despedida, sobe ao topo do Mont Ventoux só com uma perna. Num país longínquo, um político imagina um muro alto que fere e…

O Homem Que Vendia Revoluções

Às cinco horas e trinta e oito minutos de uma sexta-feira de setembro, um homem entra numa mercearia de bens essenciais para fazer uma compra rotineira. Ao aproximar-se do balcão, o merceeiro, dono do estabelecimento, informa-o num tom aparentemente sáfio: Só vendemos revoluções. O homem, sem hesitar, responde que precisa com urgência de meia dúzia…

Iniciação ao Grito

Procura um sítio elevado, onde te possam ouvir bem, depois perscruta-o desesperadamente dentro de ti. Logo a seguir, uma pessoa a quem o possas dedicar. Sim, agora abre bem essa boca. Espera: o MEDO. Embora te possa parecer fácil encontrá-lo, só depois desse exercício inicial o grito poderá subir em ti, hiante e pletórico. Abre…

Profissão: ouvinte*

  No futuro talvez exista uma nova profissão: ouvinte. Mediante pagamento, o ouvinte escutará um outro, atendendo ao que este diga. Recorreremos ao ouvinte porque, excepto ele, não haverá ninguém que nos escute, já que perdemos cada vez mais a nossa capacidade de escutar. É, sobretudo, a insistente focalização no ego, o que torna difícil…

A poesia em Hannah Arendt

Hannah Arendt (1906-1975), uma das pensadoras mais prolíficas e relevantes do sec. XX, gostava de aprender poesia de memória como se fosse a coisa mais natural do mundo, como se o mundo nunca deixasse de ser mundo. Arendt sabia que a presença da poesia na vida interior é um assunto desse nosso coração tantas vezes…

A sociedade do escândalo | Notas sobre a obra de Byung-Chul Han

A filosofia de Byung-Chul Han (Seoul, 1959), dialoga com o pensamento de Nietzsche, Benjamin, Heidegger, Foucault, Agamben e outros pensadores para sondar as enfermidades produzidas pelos dispositivos de poder das sociedades neoliberais do mundo contemporâneo e na qual se insere a sociedade do rendimento e da auto-exploração; ao contrário da “sociedade disciplinar” de Foucault, na qual as pessoas sabem que a sua liberdade é limitada, no contexto de uma sociedade de controle realmente – e muito falsamente – elas acreditam que são livres. É uma mudança de paradigma que faz com que se discipline o corpo para, de uma forma sedutora, poder controlar a mente. Uma das consequências mais visíveis prende-se com o facto da tendência das pessoas à auto-exploração agressiva até ao esgotamento mental, o colapso físico, e consequente o surgimento de patologias tais como o síndrome de “burnout”. Tradicionalmente, “exploração” implica que alguém seja explorado por outra pessoa, Han afirma que realmente fazemos isso para o nosso Eu. “A crise que estamos actualmente a experimentar vem da nossa cegueira e estupefacção”. Para Han o que faz adoecer não é a retirada nem a proibição, mas sim o excesso de comunicação e de consumo; a “crise”, segundo o filósofo, cinge-se a dois aspectos essenciais: por um lado a crise democrática causada pela superficialidade da comunicação digital, redes sociais e a constante hipercomunicação, e por outro, as consequências que a primeira traz subjacente e que prejudica o pensamento crítico, o respeito e a confiança perante o “outro”.

O crítico de sonhos

O que faço na vida? Durmo. E olhe: durmo muito, e não imagina o quanto. Não me olhe assim. Durmo muito e sonho: à noite, de dia, fins de semanas largos, intervalos monótonos de um domingo sentado… Sim, durmo tanto que, olhe – moveu o braço num gesto largo – tornei-me num especialista, um especialista…