Um dia, as roupas entraram na loja e começaram a experimentar as pessoas. Eu permaneci a olhar aquelas pessoas que um dia foram boas a ficar distantes e agora eram manequins vivos, de todas as cores, modelos e feitios. Algumas pareciam ainda estar em saldos ou serem da coleção primavera-verão. As que não se encaixavam eram descartadas sem piedade, enquanto as escolhidas eram experimentadas ou deixadas friamente sob aquele caos ordenado da loja. Eu olhava as pessoas que agora entravam no estabelecimento para serem experimentadas, inquietas por serem escolhidas pelas roupas que pareciam ter vontade própria. Estavam ali expostas de várias maneiras, nas montras, logo na porta de entrada ou até mesmo de forma que, ao pagar uma nova pessoa, as insaciáveis roupas desejassem comprar mais. Todavia mais? Havia pessoas que se espalhavam desordenadamente fora do seu lugar, como se as roupas não tivessem gostado daquilo que tinham experimentado. Nos provadores, amontoavam-se umas por cima das outras para voltarem de novo aos escaparates. Eram experimentadas à pressa e levadas na condição de poderem ser devolvidas no prazo de trinta dias estabelecido por lei. As pessoas estavam paralisadas diante daquele alvoroço consumista, como se estivessem sem reação ou vontade própria, preparadas somente para serem usadas como qualquer objeto de uso fácil. As roupas envolviam os seus corpos de forma lânguida, os braços, ombros, tronco e as ancas, cuja medida tentava acertar os tamanhos S, L, M. Sob o olhar distorcido de um enorme espelho, a imagem que criava era ilusória e distante do real. Mas essa volúpia era rapidamente subtraída por uma decisão rápida, um gesto brusco, e as pessoas eram trocadas como se a vida nada valesse.
De repente, uma pessoa entrou na loja. Parou diante de um vestido e observou-o com calma, sentindo a textura do tecido e analisando cada detalhe da sua elegância. Ficou ali por um longo tempo, até que finalmente decidiu não ser usada. A loja, que até então parecia uma máquina voraz, parou por um momento. Então, algo inesperado aconteceu: as roupas, uma por uma, começaram a deslizar e a enrolar-se aos pés da pessoa, como se não quisessem experimentá-la e reconhecessem nela uma espécie de respeito e reverência pela sua própria existência. A loja ficou em silêncio, e eu, sem me dar conta, acabei por ser experimentado.
Publicado originalmente na 25ª edição da Revista Sem Equívocos.